quinta-feira, 24 de abril de 2014

DR LENI MAGALHÃES " USO DE BRINQUEDOS NA PSICOPEDAGOGIA, PSICANÁLISE .

DR LENI MAGALHÃES " USO DE BRINQUEDOS NA PSICOPEDAGOGIA, PSICANÁLISE.

O USO DE BRINQUEDOS E JOGOS NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Profa Dra Leny Magalhães Mrech

Para todos aqueles que trabalham com Psicopedagogia e Educação Especial é bastante comum a vivência de situações em que é preciso estabelecer a intervenção psicopedagógica em função das necessidades especiais da criança. Os brinquedos, jogos e materiais pedagógicos desempenham neste momento um papel nuclear.

Este trabalho visa discutir alguns aspectos fundamentais na estruturação do processo psicopedagógico tendo em vista a construção do conhecimento e do saber por parte da criança através do uso de brinquedos e jogos.

Tradicionalmente, este processo tem sido abordado a partir de uma ótica redutora que atribui a uma ou duas variáveis a responsabilidade pelo processo de aprendizagem da criança. É bastante comum os professores se referirem à situação familiar como a grande responsável pelos problemas apresentados pela criança: "Os pais de fulano se separaram!". Esta postura introduz um privilegiamento da variável psicológica, como se, através dela, fosse possível entender o que ocorre com a criança.

A intervenção psicopedagóglca veio introduzir uma contribuição mais rica no enfoque pedagógico. O processo de aprendizagem da criança é compreendido como um processo pluricausal, abrangente, implicando componentes de vários eixos de estruturação: afetivos, cognitivos, motores, sociais, econômicos, políticos etc. A causa do processo de aprendizagem, bem como das dificuldades de aprendizagem, deixa de ser localizada somente no aluno e no professor e passa a ser vista como um processo maior com inúmeras variáveis que precisam ser apreendidas com bastante cuidado pelo professor e psicopedagogo.

Um outro problema bastante grave a ser ressaltado é uma concepção redutora do modelo piagetiano que tem sido adotada em boa parte dos cursos de Pedagogia, no qual são privilegiadas apenas as colocações iniciais da sua obra. Ela tem direcionado os professores a conceberem o processo de ensino-aprendizagem de uma maneira estática, universalista e atemporal. Com isto ficam de fora as contribuições mais importantes de Piaget em relação aos processos de equilibração e reequilibração das estruturas cognitivas.


O educador já não se defronta com um processo linear de crescimento e 
desenvolvimento, tanto no desenvolvimento intrínseco como na expressão, 
mas com um realizar-se descontínuo no qual fases e períodos se entrecruzam, 
se opõem dialeticamente, oposições de que resulta uma nova estruturação.  
PARAGENS (sic), ACELERAÇÕES, SALTOS BRUSCOS, SÃO A EXPRESSÃO 
FORMAL.  Isto altera completamente o panorama da pedagogia graduada: se o 
desenvolvimento não é contínuo e ininterruptamente acelerado e progressivo, como 
se lhe adequará uma educação regulada por grandes períodos de desenvolvimento?  
Como pretender apreender a instabilidade do desenvolvimento pela estabilidade dum 
processo educativo que se mede por anos?  Os fins da pedagogia não deveriam 
apontar para o homem futuro, o que realmente será permanente e atuante, e não 
para as etapas da idade evolutiva? (Merani, 1977: 91).


Esta visão aponta um deslocamento de uma vertente universalista atemporal para uma vertente particularista temporal. Kohl revela alguns dos aspectos fundamentais deste processo:


O cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um
sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento 
são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.  
Dadas as imensas possibilidades de realização humana, essa plasticidade é 
essencial: o cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, 
sem que sejam necessárias transformações no órgão físico.  O homem transfor-
ma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte 
essencial da constituição da natureza humana.  NÃO PODEMOS PENSAR O 
DESENVOLVIMENTO PSlCOLÓGlCO COMO UM PROCESSO ABSTRATO,
DESCONTEXTUALIZADO, UNIVERSAL: O FUNCIONAMENTO PSlCOLÓGlCO, PARTICULARMENTE NO
QUE SE REFERE ÀS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES, TIPICAMENTE 
HUMANAS, ESTÁ BASEADO FORTEMENTE NOS MODOS CULTURALMENTE 
CONSTRUÍDOS DE ORDENAR O REAL (Kohl, 1993: 24).


O fundamental é perceber o aluno em toda a sua singularidade, captá-lo em toda a sua especificidade, em um programa direcionado a atender as suas necessidades especiais. É a percepção desta singularidade que vai comandar o processo e não um modelo universal de desenvolvimento. Isto porque o uso do modelo universalista camufla normalmente uma concepção preestabelecida do processo de desenvolvimento do sujeito. Na intervenção psicopedagóglca deve-se evitar as chamadas "profecias auto-realizadoras", isto é, prognósticos que o professor lança a respeito do processo de desenvolvimento de seu aluno sem levar em consideração o seu desempenho.

É preciso que o professor ou pslcopedagogo também altere a sua forma de conceber o processo de ensino-aprendizagem. Ele não é um processo linear e contínuo que se encaminha numa única direção, mas, sim, multifacetado, apresentando paradas, saltos, transformações bruscas etc. O processo de ensino-aprendizagem inclui também a não-aprendizagem. Ou seja, a não-aprendizagem não é uma exceção dentro do processo de ensino-aprendizagem, mas se encontra estreitamente vinculada a ele. O aluno (aprendente, em termos de psicopedagogia) pode se recusar a aprender em um determinado momento. O chamado fracasso escolar não é um processo excepcional que ocorre no sentido contrário ao processo de ensino-aprendizagem. Constitui, sim, exatamente a outra face da mesma moeda, o seu lado inverso. O saber e o não-saber estão estreitamente vinculados. O não-saber se tece continuamente com o saber. Com isto queremos dizer que o processo de ensino-aprendizagem, do ponto de vista pslcopedagógico, apresenta sempre uma face dupla: de um lado a aprendizagem e do outro a não-aprendizagem.


O desejo de saber faz um par dialético com o desejo de não-saber.  O jogo do 
saber-não saber, conhecer-desconhecer e suas diferentes articulações, circulações 
e mobilidades, próprias de todo ser humano ou seus particulares nós e travas 
presentes no sintoma, é o que nós tratamos de decifrar no diagnóstico 
(Fernandez, 1991: 39).


O uso dos brinquedos, jogos e materiais pedagógicos e as estruturas de alienação no saber

A Psicopedagogia, com base na Psicanálise, revela que o conhecimento e o saber não são apreendidos pelo sujeito de forma neutra. Dentro do sujeito há uma luta entre o desejo de saber e o desejo de não-saber. Este processo acaba por estabelecer para o sujeito determinadas posições a priori da assimilação e incorporação de quaisquer informações e/ou processos formativos. Elas se refletem tanto no plano consciente quanto inconsciente. Diante do uso de brinquedos, jogos e materiais pedagógicos o sujeito pode se direcionar tanto para o desejo de saber quanto para o desejo de não-saber. No primeiro caso, através do desejo de saber o sujeito tece o saber. No segundo caso, paralisa o processo formando as chamadas estruturas de alienação no saber (Mrech, 1989: 38). O termo foi cunhado por Roland Barthes em O rumor da língua, para designar um fenômeno novo que ocorreria na cultura:


a meu ver, existe uma antinomia profunda e irredutível entre a literatura 
como prática e a literatura como ensino.  Esta antinomia é grave porque 
se liga ao problema que é talvez hoje o mais escaldante, e que é o 
problema da transmissão do saber; é aqui que reside sem dúvida o problema 
fundamental da alienação, uma vez que, se as grandes estruturas de alienação 
econômica foram postas a nu, as estruturas de alienação no saber não o 
foram (Barthes, 1987: 43).


É bastante comum para todos aqueles que trabalham com Prática de Ensino e Didática vivenciarem uma situação onde o aluno e os professores já formados assinalam que a universidade tende a prepará-los inadequadamente para a sua prática futura. Poderíamos pensar que se trata apenas de uma transmissão inadequada da universidade, apenas uma questão de teoria x prática.

 


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