QUERO TER UM AMIGO (a) 2
Para que serve um amigo? Para rachar a
gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra
festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as
alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo
do lado esquerdo do peito.
Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A
Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da
memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de
testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através
deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança
contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado
contra seus inimigos.
Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não
valorizam ainda o que está sendo contruído. São amizades não testadas
pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se
serão varridos numa chuva de verão. Veremos.
Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro,
experiências. Racha a culpa, racha segredos.
Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o
ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.
Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um
emprego, recomenda um país.
Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa
conhecer o teu.
Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o
reveillon.
Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra
contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.
Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura
uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.
Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
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